PSICOLOGIA EVOLUTIVA E A CONFUSÃO ONDE NOS ENCONTRAMOS


"A não violência leva à mais alta ética, que é o objetivo de toda a evolução. Até pararmos de prejudicar todos os outros seres vivos, ainda seremos selvagens". Thomas Edson.

Psicologia Evolutiva (PE) é uma abordagem das ciências sociais e naturais que examina traços psicológicos, tais como memória, linguagem e percepção, a partir de uma perspectiva evolutiva moderna. Procura identificar quais são os traços psicológicos humanos que são adaptações, isto é, os produtos funcionais da seleção natural. Psicólogos evolucionistas afirmam que muito do comportamento humano é a consequência de adaptações psicológicas necessárias para resolução de problemas recorrentes no ambiente onde viviam nossos longínquos ancestrais.
A teoria vem sendo aplicada em muitos campos, incluindo economia, ambiente, saúde, direito, gestão, psiquiatria, política e literatura.

A psicóloga Leda Cosmides e o antropólogo John Tooby, assim a definem:
"Psicologia evolutiva é a tentativa científica, longamente antecipada, de juntar disciplinas desconexas, fragmentárias e mutuamente contraditórias, num único quadro de investigação logicamente integrado, para a psicologia, sociologia e ciências do comportamento; um quadro que não só incorpora as ciências evolutivas de forma completa, mas que, sistematicamente, trabalha as revisões de pesquisa que tal síntese requer."

Baseia-se nas seguintes premissas:

1 - O cérebro é um dispositivo de processamento de informações e produz comportamento em resposta a insumos externos e internos. Quer dizer que nosso cérebro funciona dependendo do que recebemos do ambiente onde nos encontramos, como também do funcionamento de nossos órgãos a cada momento. É por isso que, quando estamos com dor de barriga, ou simplesmente usando um sapato que incomoda, não conseguimos concentração para qualquer tarefa.

2 - Os mecanismos de adaptação do cérebro foram moldados pela seleção natural e sexual. (As cinzas de Freud estão dando cambalhotas de felicidade!).

3 - Diferentes mecanismos neurais tornaram-se especializados para resolver problemas no passado evolutivo da humanidade. E aqui explica claramente o mecanismo do stress, que não apareceu para que tivéssemos problemas de hipertensão, pânico, ataques cardíacos, só para citar alguns. Apareceu para nos dar motivação para funcionarmos e nos salvar a vida. Assim, quando um ancestral nosso dava de cara com um urso de dez vezes seu tamanho, tinha que decidir se atacava ou fugia. Os bobinhos que atacaram, provavelmente eram jovenzinhos sem grande percepção do perigo, e possivelmente não deixaram descendentes. Os mais espertos fugiram com quantas pernas tinham, e, no fugir, correndo quilômetros de volta à caverna, aproveitavam para "descarregar" o stress todo. Nós, evoluídas criaturas, que fumegamos de ódio num congestionamento, não podemos, nem queremos, largar o carro no meio da rua e correr até o escritório, de forma que não descarregamos nada, e a coisa se torna crônica. A Associação de Cardiologia Americana nos informa que uma andadinha de 20 minutos é suficiente para descarregar qualquer stress, além de que, se feita todos os dias, pode prevenir 75% dos casos de diabetes tipo II.

4 - O cérebro evoluiu com mecanismos neurais especializados que foram projetados para resolver problemas recorrentes, ao longo do tempo evolutivo, dando aos modernos seres humanos mentes da Idade da Pedra. Isso quer dizer que reagimos às coisas tal qual nossos primitivos ancestrais, e é por isso mesmo extremamente importante o aprender a avaliar situações antes de reagir a elas.

5 - A maioria dos conteúdos e processos cerebrais são inconscientes, e problemas mentais que parecem fáceis de resolver são, na realidade, extremamente difíceis, e acabam sendo resolvidos inconscientemente, por meio de complicados mecanismos neurais. Infelizmente, isso nos causa enormes problemas emocionais, mas teremos um post dedicado exclusivamente a este ponto.

6 - A psicologia humana é formada por muitos mecanismos especializados, cada qual sensível às diferentes categorias de informações (inputs). Esses mecanismos se combinam para produzir o comportamento manifesto. Lá vem a importância da educação e do conhecimento.

7- A PE baseia-se na hipótese de que, assim como o coração, pulmões, fígado, rins, etc., a cognição tem uma estrutura funcional baseada na genética e, portanto, tem evoluído pela seleção natural. Como todos os outros órgãos e tecidos, esta estrutura funcional deve ser universalmente compartilhada entre uma espécie, e deve resolver importantes problemas de sobrevivência e reprodução, que incluem habilidades para inferir as emoções de outros, discernir parentes de não-parentes, identificar e preferir parceiros mais saudáveis e capacidade de cooperação. Consistente com a teoria da seleção natural, a PE vê os seres humanos como seres em conflito com outros, incluindo companheiros e parentes. Também reconhece o papel da seleção da evolução em características pró-sociais como o altruísmo. Tal quais os chimpanzés e bonobos, os seres humanos têm instintos sociais sutis e flexíveis, o que lhes permite formar famílias, amizades e alianças políticas ao longo da vida. A partir disso, tem havido inúmeros trabalhos com previsões teóricas em temas como infanticídio, inteligência, padrões de casamento, promiscuidade, percepção de beleza, preço da noiva e investimento parental.

Favor não se chocarem com a frase "preço da noiva", porque, enquanto nossos ancestrais pagavam em vacas ou bodes, ou sei lá mais o que, hoje evoluímos para coisas menores, como um diamante no dedo, posto que, principalmente para quem mora em regiões urbanas e em apartamentos, animais desse porte são extremamente incômodos, além de que, o anel é carregado no dedo, de fácil demonstração.
E não pensem que tenha algo contra diamantes, muito antes pelo contrário.

8 - Universalidade das Emoções: os seres humanos compartilham pelo menos cinco emoções básicas: medo, tristeza, felicidade, raiva e nojo, emoções essas que se combinam de várias formas para produzir, tanto nossas motivações, quanto nossos comportamentos sociais enquanto cultura. Por exemplo, vergonha e orgulho são dois grandes motivadores de comportamentos que definem a posição de uma pessoa numa comunidade, determinando assim as chances, maiores ou menores, de acasalamento e reprodução de sua carga genética.

Segundo a PE, o cérebro humano é composto por mecanismos funcionais, chamados adaptações psicológicas, e por mecanismos cognitivos evoluídos, chamados de módulos cognitivos, mecanismos estes desenhados pela própria seleção natural. Exemplos são: módulos de aquisição de linguagem, mecanismos para evitar incesto, detecção de traições, mecanismos de inteligência e preferências específicas de sexo de acasalamento, e mecanismos de procura de alimentos.
Uma velha amiga minha, médica e não psicóloga evolucionária, dizia: "O problema nos casamentos é que, lá nos tempos de antanho, o caçador chegava em casa com o urso, e era recebido com gritos de viva e olhares maravilhados da esposa. Agora, ele chega, e ela, chateada, informa que já encheu a geladeira, e não sabe o que fazer com o raio do urso". Sábia criatura.

Continuando, após divagação explanatória, aqui vai a definição de alguns termos, para facilitar entendimento:

Adaptação: Traço orgânico projetado para resolver problema(s) ancestral(is). Mostra complexidade, desenho especializado e funcionalidade. Exemplo fisiológico: Ossos e cordão umbilical. Exemplo psicológico: Habilidade dos bebês de aprenderem a falar com um mínimo de instruções.

Exaptação: Adaptação que foi "redesenhada" para resolver um problema adaptativo diferente. Ex. fisiológico: Os pequenos ossos do ouvido interno. Ex. psicológico: Atenção voluntária.

Produto acidental: Subproduto de um mecanismo adaptativo, sem função atual ou ancestral. Ex. fisiológico: a cor branca dos ossos, o umbigo. Ex. psicológico: ainda não se descobriu um. Alguns dizem que a habilidade de aprender a ler e escrever não tinha qualquer função no período ancestral. Pode bem ser, mas hoje tem.

Ruído Aleatório: Variações aleatórias em adaptações ou subprodutos. Ex. fisiológico: saliências cranianas, umbigo côncavo, plano ou convexo. Ex. psicológico: Variações no timbre de voz dentro do mesmo sexo.

Personalidade: os traços de personalidade representam "morfos comportamentais", isto é, alternativas de estratégias comportamentais dependentes da frequência de estratégias comportamentais concorrentes, em determinada população. Por exemplo, se a maior parte da população, em determinada cultura, é crédula, a metamorfose comportamental de ser um "trapaceiro"(ou, no caso extremo, um sociopata) pode ser vantajosa. Também é levado em conta que as adaptações psicológicas são extremamente sensíveis às variações ambientais, principalmente nos estágios iniciais do desenvolvimento. Ex: filhos mais novos têm maior probabilidade do que os primogênitos de serem rebeldes, menos conscientes e mais abertos a novas experiências, o que pode ser vantajoso para eles, dado seu nicho específico na estrutura familiar.

Assim, dentro da PE, a esquizofrenia e o transtorno bipolar possivelmente sejam o efeito colateral de genes com benefícios de aptidões, tais como aumento da criatividade (Alguns indivíduos com transtorno bipolar são especialmente criativos durante as fases maníacas, e os parentes próximos dos esquizofrênicos são propensos a ter profissões criativas).
Um relatório de 1994 da Associação Americana de Psiquiatria demonstrou que a esquizofrenia incide em 1% da população mundial, com a mesma taxa em culturas ocidentais e não ocidentais, em sociedades industrializadas e pastorais, o que sugere que este distúrbio não é causado por nenhuma cultura ou civilização específica, nem é uma invenção social arbitrária, como queria Foucault. Aliás, em minha opinião, é o mais democrático dos distúrbios psiquiátricos.

Já a Sociopatia é uma estratégia evolucionária estável, através da qual, os que fraudam o contrato social se beneficiam numa sociedade constituída, em sua maioria (graças aos céus), por não sociopatas.

A Depressão pode ser uma resposta adaptativa de retirada e reavaliação de situações que tiveram resultados desfavoráveis.

Mas essa é outra história, que fica para a próxima vez, quando discutiremos a visão evolucionária da religião e alguns outros itens interessantíssimos.

"Na lógica formal, uma contradição é sinal de derrota, mas na evolução do conhecimento real, é o que marca o primeiro passo no progresso em direção a uma vitória." Alfred North Whitehead.

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