ERVAS, ESPECIARIAS E A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

Nesse momento de puro stress que vivemos, com a ameaça laranja pairando feito vendaval sobre nossas vidas, tive que arranjar formas de lidar com o estressor. Isso, juntando-se ao fato de que, uma das melhores maneiras de manter o cérebro funcionando nesta provecta idade é expandir os horizontes para áreas nunca dantes navegadas, eis que vou pesquisar a milenar ciência da Ayurveda.
E isso tudo porque, semana passada, me descubro, sábado de manhã, parada feito estátua grega no meio de meu quintal, sem ter a menor idéia do que raios estava fazendo lá.

Tomei um susto e não me acalmou a lembrança de que sou dada a, por exemplo, sair do supermercado carregando uma montanha de pacotes, tentar ir à pé para casa, lembrar no meio do caminho que estava com o chevette cor de figo de minha mãe, voltar o caminho todo em busca do citado, passar meia hora no estacionamento buscando… Quando se tem 20 anos, é só uma distraçãozinha. Aos 60, é pânico do alemão!

Daí, lembrei do primeiro blog que iniciei e larguei, no inverno de Iowa. Chamava-se “Atrapalhos”, e seu objetivo era “Ligar memórias e aprendizado, idéias abestalhadas e ciência. Deve ser o que chamam de espírito da terceira idade“
E achei que estava na hora de retomar a idéia. Assim que ontem, em minha primeira aula, meu pensamento passarinhou para o famoso “Risotto alla Milanese”, da nonna Linda, com seus pacotinhos de açafrão que o zio Gino trazia da Itália, dado que, naqueles tempos, ela não o encontrava nem na barraca do Ito, lá no mercadão de Taubaté. O mesmo Ito que lhe ensinou que, mortadella em português, é mortandela, como passou a ser chamada na família dos italianos que faziam questão de falar a língua melhor do que os nativos.

E, pensando no Risotto, passei a considerar que, não fossem as especiarias da Índia, não haveria America. Pois vejamos: Nos séculos 15 e 16, as tais “especiarias” que são basicamente temperos, embora muitas sejam, foram e são usadas na fabricação de óleos, cosméticos e medicamentos, eram extremamente valorizadas na Europa, já que lá não brotavam, devido ao clima. Também na época, apareceu e cresceu a tal “burguesia”, e sua demanda por produtos considerados, à época, como luxo (ou, como bem disse o príncipe Salina, no Gattopardo, “as coisas, quanto mais mudam, mais continuam as mesmas”). No século XV, os comerciantes de Gênova e Veneza, tinham o monopólio das mesmas, pois, compravam principalmente de Índia e China, levando-as para a Europa via Mediterrâneo, com imenso lucro. No século XVI, os portugueses descobriram uma rota alternativa para o Oriente, indo pela costa da África, barateando custos de viagem e aumentando os lucros. Tornaram-se assim, uma potência econômica.

Mas, a história das especiarias é muito mais interessante que o simples comércio (que, a fim e a cabo, é a base de todo o resto, mas o tal “resto”e muito mais fascinante que a economia de mercado). Depois das cruzadas, os europeus tomaram gosto pelos sabores “esquisitos” (do latim - exquisito - que quer dizer algo procurado e escolhido com cuidado), e se estabeleceu o comércio Oriente-Ocidente, que, com a instalação da “Pax Mongolica”entre os séculos XIII e XIV, muito se expandiu. O que as fez ainda mais especiais, não foram apenas seus usos nos alimentos, cosméticos, afrodisíacos e medicamentos, mas também pelo fato de que, em sendo compradas secas, tinham enorme resistência a mofo e pragas, coisas extremamente comuns nas longuíssimas (na época), viagens marítimas. Tornaram-se tão importantes que foram usadas como moeda corrente, constituíram-se como dotes de noivas, heranças, poupanças e divisas, pagamentos de serviços, impostos e dívidas, e formas de presentear (leia-se subornar) magistrados.

Aí, Constantinopla foi tomada pelos otomanos, que dificultaram tudo, proibindo tal comércio pelos cristãos.

Portugal e Espanha foram à luta, na busca de caminhos alternativos, Portugal via oriente, contornando a África, e Espanha via Ocidente, o que levou Colombo a descobrir a América.

A descoberta da nova rota, por Vasco da Gama, reduziu de imediato o preço das tais especiarias, ficando mais fácil para os venezianos comprar as mesmas em Lisboa, pela metade do preço, do que dos turcos em Alexandria. Por outro lado, com as colônias no continente americano, os europeus nelas introduziram o plantio das citadas, não só barateando os custos, mas também fazendo com que os habitantes das mesmas passassem a usá-las, em detrimento das especiarias nativas.

Nos séculos seguintes, com o advento e crescimento da ciência baseada em evidências, a descoberta da célula, dos antibióticos, enfim, toda a base da medicina ocidental, as grandes corporações criando cosméticos que prometem beleza eterna instantânea a preços inflados, a indústria dos alimentos, as filosofias de “quantos mais melhor”, o tudo já, a sabedoria milenar ficou relevada a algo “não científico”, nada imediato, portanto, não fonte de lucro.

E a vida dá voltas. O mau uso e abuso de antibióticos nos trouxe as bactérias ultra resistentes, a indústria dos alimentos nos deu a pandemia de obesidade e diabetes, não ganhamos a beleza eterna, mas sim um monte de stress de tentar parecer jovem, antenado e no topo do mundo, sempre, a qualquer preço. As falhas, não são mais usadas para aprendizado, mas sentidas como obliteração do social imposto, com consequente abuso de tudo, de álcool a Oxycontin. O tal mercado mostrou que não sabe se regular sózinho, companhias e estados mostraram que não são entidades de per si, funcionando ou não na exata medida em que funcionam seus componentes humanos.
E a medicina começou a redescobrir que práticas e ervas e especiarias de há muito relegadas a segundo plano, funcionam e bem na na esfera humana.

Minha ídola desde sempre, a Clínica Mayo, tem cursos e práticas de yoga e meditação, agora consideradas técnicas de ponta no combate ao stress. E tem também a mais nova Clínica do que eles chamam de Medicina Complementar, na qual, para meu espanto e prazer, fui aprender o uso dos Tuméricos. Para exemplificar, aqui vai um dos links da citada clínica
Nutrição e Dor:clique aqui.

Mario Sergio Cortella brilhantemente diz: “A finalidade de fazer pamonha não era obviamente comer pamonha, a finalidade era ficar junto. E especialmente que as crianças tivessem uma ideia: Que as coisas para acontecerem, elas demoram um processo. Dá trabalho, apanha, pega, faz, cozinha, rala, ri, brinca, briga e vive junto.
Agora é prático: você compra a pamonha pronta” original aqui

E engorda, porque ficou olvidado o ralar, correr, rir, brincar, rolar a tapa, gastar energia, aprender processo e finalidade.

Tal qual risotto de restaurante ou comprado pronto, que salta o processo de:
Ir ao açougueiro preferido de minha mãe, que lhe fornecia os melhores cortes, a pedido dos fregueses, e que acabou preso porque descobriram que, a maneira prática que havia descoberto, para agradar o freguês, era ir, ele mesmo, matar e esquartejar a vaca. Único senão, era que as citadas vacas não lhe pertenciam.

Ajudar avó na feitura do caldo, feito com diferentes cortes de carne, mais uma cebola, um tomate e exatamente 3 talos de salsão, a ferver junto, devagar até que a carne estivesse quase liquefeita, carne que era almoço de todas as segundas feiras como “bollito”.

Retirar todo o acima do caldo.

Esperar o caldo esfriar para retirar a gordura.

Filtrar o caldo para retirar qualquer gordurinha besta que tivesse escapado da primeira retirada

Lavar o arroz

No panelão, exatas 2 colheres de azeite de oliva, joga-se o arroz.

Busca-se os saquinhos de açafrão, a serem cuidadosamente abertos e despejados no arroz. Mexe o todo com a colher de pau específica para o caso, aquela já amarelada pelo açafrão.

E aí, devagar, muito devagar, vai-se aos poucos colocando o caldo, até que a casa toda é invadida pelo cheiro incomparável.

Sem querer, sem pensar ou filosofar a respeito, ganham-se os benefícios anti inflamatórios do turmérico e os incomparáveis do cozinhar junto, que é arte, medicina e filosofia, tudo numa cozinha.

Aqui vai o que a ciência diz hoje sobre citada especiaria:

Turmérico é uma especiaria que vem da planta do mesmo nome (Curcuma Longa). Dependendo de que parte da planta está sendo usada, temos o cominho, o açafrão e o curry. Seu princípio ativo é o curcumin, que funciona diminuindo a inflamação. Está sendo investigado como tendo propriedades anti cancerígenas, embora até o presente momento ainda não haja evidência suficiente de seus benefícios nessa área. Vem sendo usado como anti inflamatório e analgésico natural. Também é usado para acelerar o processo de cicatrização de feridas, tratamento de caspa e para diminuir o crescimento de pelos no corpo. Nos cuidados da pele, é usado como limpeza, para controlar aparecimento de rugas e melhorar condições como eczema, acne e psoríase.

E a inocente aqui achando que era só para o risotto da nonna!

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