MACONHA, ESSA MUTANTE

Sendo típica criatura dos anos 70, lá também experimentei a dita cuja, e não do tipo Bill Clinton, que fumou, mas não tragou. Uma vez. Não gostei dos efeitos, muito menos das consequências. Sensação de cérebro dividido, com uma parte de mim achando tudo muito engraçado, e outra querendo saber que graça tinha naquilo. Acordar no meio da noite, não só parecendo um zumbi de filme antigo de Hollywood, mas também com a famosa “larica”, que é uma fome cretina, o corpo parece um buraco negro engolindo as coisas sem curtir o gosto. Isto posto, saltemos uns 15 anos no tempo, lá para o fim dos anos 80, quando comecei a trabalhar com drogadependentes, e somando experiências no Brasil e alguns outros países, posso dizer que, nesta altura do campeonato, provavelmente vi todos os tipos deles, como também seus tratamentos, e as guerras contra as drogas e as mais diversas opiniões sobre elas. Infelizmente, o campo das drogadependências, principalmente no que se refere a seu tratamento, é terra de ninguém. Qualquer um pode montar um centro de tratamento e sair dizendo o que bem lhe apraz, sem ter que passar por qualquer escrutínio científico e/ou de eficácia, mas sobre isso, falarei em outra ocasião. Voltando à maconha, a supracitada no momento está em enorme evidência, pelo fato que têm aparecido estudos e mais estudos, práticas e mais práticas, mostrando os benefícios médicos da mesma. E não são poucos ou pequenos. Sei que uma das frases preferidas pelos que creem que prevenção e tratamento se fazem por desenvolver pavor, é: “A maconha é a porta de entrada para outras drogas.” Nada mais longe da realidade. A porta de entrada para qualquer abuso, de drogas ou qualquer outra coisa, é o funcionamento daquela massinha cinzenta entre nossas orelhas, chamada cérebro, e se alguém desenvolve uma personalidade dependente, vai sê-lo, de drogas, de gente, até de água, como há cerca de dois anos muito bem demonstrou um jovem inglês de 28 anos, que morreu de tanto tomar a mesma. Não, ele não bebeu em excesso por ter estropiado seu centro cerebral de termo regulação por uso de Ecstasy ou similares. Nunca fez uso de droga nenhuma. Acontece que acreditava que água é miraculosa, por conseguinte, quanto mais tomasse, mais limpo seu corpo se tornaria, o que realmente aconteceu, inclusive limpando o mesmo de todas as vitaminais e sais minerais necessários para a vida.

Vamos inclusive lembrar a definição básica de droga, que é qualquer substância que, entrando num organismo, por qualquer via, provoca alterações químicas, e que, seguindo essa definição, há apenas 4 coisas que não são consideradas drogas, porque mantêm nossa vida e a sobrevivência de nossa espécie, e que são: água, comida, ar e sexo. E se pensarmos mais seriamente, veremos que nós, humanos, conseguimos transformar em “droga” até aquilo que nunca foi. Estou falando de comida, por exemplo, pois todos sabemos que, excessos da mesma causam coisas muito sérias, de colesterol entupindo artérias, a diabetes tipo II e todas as nefandas consequências.

Acreditava-se piamente que um dos sérios problemas da maconha era produzir uma coisa chamada “Síndrome Amotivacional”, condição psicológica caracterizada por apatia, falta de vontade de participar em situações sociais, de estudo e trabalho, até que a Organização Mundial de Saúde, em 1986, deixou claro que: “Não há qualquer evidência da existência de ‘Síndrome Amotivacional’, pois a maioria dos casos reportados foi baseada apenas em observação, e o pequeno número de estudos controlados e de laboratório não mostrou qualquer evidência de sua existência. Os sintomas de falta de motivação estão muito mais ligados a casos de intoxicação crônica por canabis do que qualquer síndrome psiquiátrica nova.” Não bastasse isso, os estudos de Barnwell, Earleywine e Wilcox com estudantes em início de curso colegial, e usando a Escala de Avaliação de Apatia como método, concluíram que não há qualquer diferença significativa na motivação entre os usuários de maconha e os que não usaram.

Apesar de tudo isso, nós humanos preferimos manter nossas crenças a qualquer custo, do que correr o risco de entrar em campos novos e passar a ter dúvidas, ou como bem disse Freud “Só mudamos quando a dor do viver se trona maior que a dor do mudar”.
Mas, fatos têm a estranha mania de derrubar mesmo os mais bens construídos castelos de crenças, que é o que vem ocorrendo neste momento, pelo menos aqui nos USA e Europa, e, horror dos horrores, maconha tem uso médico em muitas condições sérias, com muitíssimo menos efeitos colaterais que os remédios costumeiramente usados nas mesmas, então vamos à lista:

Náusea e Vômito em pacientes com câncer e fazendo quimio e/ou radioterapia: O Instituto Nacional do Câncer nos informa que “quando usado por via oral (capsulas que contém o óleo extraído da canabis), funciona muito melhor que todas as drogas para tratar náusea, e que foram aprovadas pelo FDA (Food and Drug Administration – semelhante à ANVISA no Brasil)”.

Perda de Apetite nas mesmas condições acima, com o mesmo relato do Instituto Nacional do Câncer.

Tensão e Espasmos Musculares: Estudos conjuntos do Instituto Nacional do Câncer e do Instituto Nacional da Esclerose Múltipla concluíram que, o uso da mesma, de forma oral, contendo THC e canabidiol, diminuem os espasmos, tremores e rigidez musculares associados a condições como Esclerose Múltipla. Já em Israel, estão usando em idosos para tratar tremores consequentes a Parkinson e/ou Derrame.

Dores Crônicas: Estudo de 2010 da Associação Médica Canadense demonstrou os benefícios em pacientes com dores neuropáticas, causadas por alcoolismo, amputações, cirurgias da espinha, HIV ou Esclerose Múltipla.

Insônia e Ansiedade: Ainda do Instituto Nacional do Câncer: “A inalação ou uso de spray (debaixo da língua) da canabis melhora humor, dá sensação de bem estar, diminui ansiedade e promove sono reparador, sem os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos e narcóticos usados com a mesma finalidade”.

Não estou aqui dando ideia ou justificativa para sair usando indiscriminadamente, da mesma maneira que sou contra o uso indiscriminado de qualquer coisa, incluindo a aspirina, da qual sou fã incondicional, mas, como médica, acredito que minha função básica é aliviar o sofrimento, seja ele de qual espécie for, e por isso mesmo este blog se chama CURARE DOLOREM OPUS DIVINUM EST, que é a primeira citação aprendida na faculdade, e que, do latim, significa CURAR A DOR É TAREFA DIVINA. Por isso entrei de cabeça na discussão, porque acredito que, se algo existe que pode melhorar, é dever usar. Também pelos seguintes dados (usei só estatísticas americanas pela facilidade de encontrá-las):

Mortes anuais por uso/abuso - Dados do CDC (Centro de Controle de Doenças)

Álcool - 25.692
Analgésicos Opiáceos - 16.651
Canabis - 0
Combinação de todas as Drogas Ilícitas - 17.000
Drogas Farmacêuticas Lícitas - 22.134
Tabaco - 440.000

Abaixo vai o link de uma série que acabou de passar aqui na CNN, e como não consegui colocar tradução no vídeo, fiz um resumo/tradução do que disse o autor da série, Dr. Sanjei Gupta, neurocirurgião:

“Durante todo ano passado, trabalhei neste novo documentário. Viajei mundo afora entrevistando líderes da área médica, especialistas, plantadores e pacientes, e o que descobri foi chocante. Muito antes de começar esse Projeto, revi toda a literatura científica a respeito de maconha usada para fins médicos, e devo dizer que não fiquei nada impressionado. Lendo esses estudos, há cinco anos, até cheguei a escrever a respeito para a revista TIMES, um artigo intitulado ‘Porque votaria NÃO ao uso de Maconha’. Bom, estou aqui para pedir desculpas. Desculpas porque não procurei o suficiente, não revi estudos em laboratório em outros países e por simplesmente não ter levado em consideração o coro de pacientes cujos sintomas melhoraram com a maconha. Ao invés disso, os considerei como folgados, loucos para ficarem ‘na boa’. Acreditava piamente, e agora sei, erroneamente, que a Agência Americana Anti Drogas havia listado maconha como ‘substância em lista 1’ (esquema americano que determina potencialidade de dependência e toxicidade de todas as drogas, licitas ou ilícitas) com base em sólidas provas científicas. Pensei eu, claro, está certo a maconha ser definida na categoria das mais perigosas drogas, que não tem qualquer uso médico e alto potencial de abuso. Vai daí que acabei descobrindo que eles não tinham qualquer base científica para fazer a citada classificação, e agora sei que nada do descrito é verdade. Não só a maconha não tem alto potencial para abuso, como também tem legitimas aplicações médicas. Melhor dizendo, há alguns casos nos quais é a única coisa que funciona. Tomemos o caso de Charlotte Figi, que conheci no Colorado. Ela começou a ter convulsões logo após o nascimento, e com 3 anos estava tendo 300 por semana, apesar de 7 medicações que estava tomando. Usando maconha, está tendo no máximo 3 por mês. Vi outros pacientes como ela, e cheguei à conclusão que é irresponsável não prover o melhor cuidado que podemos, como médicos, cuidado esse que pode envolver o uso de maconha. Nos últimos 70 anos, aqui nos USA, temos sido terrivel e sistematicamente enganados, e novamente peço desculpas pelo papel que desempenhei nesse engano. Espero que este artigo e documentário esclareçam as coisas”.

No próximo blog, trarei o resto do artigo, com os fatos de como tudo isso aconteceu. Assistam ao documentário abaixo. Vale a pena.
 PORQUE MUDEI DE IDÉI A RESPEITO DA MACONHA: Dr.Sanjey Gupta

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