AOS MEUS QUERIDOS GOZADORES

Desde que espalhei a idéia de que estou fazendo mestrado em psicologia positiva, tenho recebido gozações e comentários de amigos e colegas, mais ou menos do tipo:

"Você??? Como assim? Você sempre foi séria na área"
"O que foi que aconteceu? Da neurologia à bobeirinha?" (bobeirinha foi minha tradução graciosa a uma coisa nada graciosa em inglês)
"Mas, agora não entendo! Você sempre criticou autoajuda e essas coisas!" (Informo que não critiquei, só expliquei porque, a fim e a cabo, absolutamente não funciona)
.

E outras na mesma linha. Então, porque sou basicamente preguiçosa para explicar repetidamente, faço-o de uma vez só, no blog, e vou avisar a todos meus gozadores a lerem.

Primeiro começo dizendo o que Psicologia Positiva NÃO é:

Autoajuda do tipo compre meus livros e seja feliz - Culto Religioso de qualquer espécie - Modismo do tipo aprender um segredo que vem sendo passado por séculos de um gênio a outro, ou outra frescurinha new age - Versão reciclada do poder do pensamento positivo - Ser alegrinho o tempo todo, negando emoções tal como tristeza, sorria não importa o quê, ou repetir em frente ao espelho "Todos os dias, sob todos os aspectos, estou cada vez melhor” (a isso se chama Negação, que é um terrível mecanismo de defesa) - Alienar-se do mundo onde se vive, pensando que para ser feliz é necessário nem saber o que acontece.

Bom, creio que cobri a área do NÃO. Espero não ter insultado ninguém com minha visão pessoal e nada positiva dos itens acima citados, e, para quem gosta e/ou acredita, certamente faz bem. Isto posto, vamos ao que é, seu método e metas.

A psicologia positiva é um ramo da psicologia cognitiva, que estuda, aplica, ensina e reforça os pontos fortes que todos nós temos. Tem como meta o desenvolvimento de habilidades que nos façam capazes de lidar, da melhor forma possível, com as adversidades que, com certeza, vamos encontrar na vida.

Como foi que entrei nessa? Farei o mais breve dos resumos. Passei a maior parte de minha vida profissional trabalhando com esquizofrênicos, psicóticos e drogadependentes. E amava. Mas, havia um gosto de "o que é que está faltando?". Aquela sensação de base, de que deveria haver maneiras de não só tratar a coisa, mas preveni-las o máximo possível. Por que infernos um jovem, com tudo a seu favor, se mete a ser um escravo de sua(s) droga de preferência? Será que não dá para, mesmo que alguém tenha a tendência para esquizofrenia, ensinar algo para que não precise se tornar totalmente alienado da realidade? No final da década de noventa, veio a moda do "desequilíbrio" dos neurotransmissores, que explicava, de alcoolismo a epilepsia, de dependência a cocaína, a depressão, etc.. etc... etc...

E virou mantra, repetido ad nauseam, principalmente por todos os AA, NA e congêneres. Ora essa, pensava eu, claro que é um desequilíbrio. Toda doença é um desequilíbrio, se não fosse, doença não seria; seria o funcionamento normal, fisiológico. E mais, por mais que essa idéia de que esses "desequilíbrios” são herdados, não existe uma única doença psiquiátrica, incluindo as drogadependências, para a qual tenham encontrado um gen que a determine.

Não bastasse, a cada droga que aparecia no mercado, criava-se um tratamento para aquela droga, não mais para a pessoa que dela dependia. Viramos hiperespecialistas em doenças e ignorantes em tratar do doente. Há tratamentos para "crack", heroína, e qualquer outra coisa que for aparecendo. Mas, as substâncias ou as doenças não precisam de tratamento. O ser que sofre, precisa.

Descobri com meus pacientes esquizofrênicos, que os ajudando a se contarem a própria história de outro jeito, fazia toda a diferença em como eles passariam a lidar com o problema. Passei inúmeras horas, não só a escutar e interagir com seus delírios, mas também a ensiná-los que não eram esquizofrênicos, tinham sim um problema chamado esquizofrenia.

Se alguém é deprimido, é todo seu ser, nada se pode fazer a respeito. Já se tem depressão, é algo com o que pode ser lidado. Nós não dizemos "sou olhos azuis", dizemos sim, "tenho olhos azuis", porque se não gostar, sempre posso colocar lentes cor de jabuticaba. Basicamente, é a diferença entre sofrer algo e tomar o controle sobre algo.

Aqui nos EUA, onde os AA tomaram o poder, pacientes com dependências têm que dizer que são "dependentes em recuperação", que "não podem vencer sozinhos”, e que se entregam nas "mãos de um poder superior". Aprendi rapidinho que qualquer inserção de pensamento crítico na área não era absolutamente bem vinda, quando numa aula para "counselors" (ex-dependentes que fazem um curso de mais ou menos um ano e passam a tratar de outros dependentes, sem qualquer outra qualificação), achei de informar que, apesar de ser uma ex- adolescente, não me refiro a mim mesma como "adolescente em recuperação". Fui reportada à direção.

E, no meio de tudo isso, ainda o sonho antigo de escrever "neurologia para crianças”, que é minha idéia de que, ao ensinar as crianças como o cérebro funciona, ficaria bem mais simples para entenderem o que estaria acontecendo dentro delas, como forma de prevenção. A boa noticia é que finalmente, estruturei essa parte! Aleluia.

Pois bem, estava trabalhando no MHMR no Texas, quando apareceu a possibilidade de fazer um curso introdutório à Psicologia Positiva. Tive a mesmíssima reação que meus gozadores estão tendo para comigo, mas como o curso sairia quase de graça para os trabalhadores da supracitada instituição, e pelo fato de ser curiosa (não, não tenho curiosidade, sou curiosa, pronto!), lá fui. E qual não é meu agradável espanto ao ser introduzida ao mundo da psicologia experimental, só que desta vez com resultados não apenas baseados em observações teórica e testemunhos, mas basicamente o método científico funcionando na prática. Não podia perder essa oportunidade!

Não vou aqui reproduzir a história toda, que vem crescendo desde os tempos dos bons velhos filósofos gregos, como Sócrates e Aristóteles, mas vou reproduzir questões levantadas em todos os tempos:

O que é saúde? É apenas o estado de ausência de doenças? Como isso funciona?
Como todo mundo tinha uma definição diferente, em 1946 a OMS (Organização Mundial de Saúde) veio com a seguinte definição, em uso até o presente momento:
"Saúde é o estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidades".

E tive problemas com essa definição, desde o dia que a aprendi, muito tempo atrás, ainda na faculdade.

Como assim, completo? Posso estar bem física e mentalmente, mas ver uma criança pedindo esmola na rua na cidade onde moro, é fato certo e seguro me informando que meu social está todo errado. E, querendo ou não, gostando ou não, faço parte desse social.
E quando estou triste, chorando em cachoeira, deixei de ser saudável porque estou sentindo uma emoção que faz parte do estar vivo?

Alguém que teve depressão clínica, não tem mais, mas a vida continua sem muito sabor, é saudável ou não? Vai ser "deprimido em recuperação” para todo o sempre?

E entra estudo da psicanálise e a obra freudiana. Maravilha. Continuo achando que o velho judeu austríaco foi um pioneiro que mudou a maneira de pensar do mundo. Problema era que, com o tipo de pacientes com os quais trabalhava, a psicanálise simplesmente não funcionava. Lembro-me perfeitamente de um paciente que estava vendo pela primeira vez e perguntei "e então, como está?" e ele, usando sua lógica, me respondeu: "sentado". Coisa que realmente estava, bem ali, na minha frente. Como fazer "livre associação"? E entra Eric Berne e sua análise transacional, uma mistura de psicanálise facilitada e terapias comportamentais cognitivas. Começa possibilidade de funcionamento. E finalmente, resolvo estudar as terapias cognitivas, que realmente conseguem fazer diferença, pois atacam diretamente, com o objetivo de mudança, a maneira de pensar de um indivíduo, com consequentes mudanças em seu comportamento. Pronto. Estava em casa.

Faltava só um ponto: vamos dizer que um paciente com depressão está no grau - 5 (usando números, facilita bastante), então com terapia e medicação, chega ao zero. Como fazer para ir para o grau + 5, vamos chamar de ponto de vida vivida, engajada, com sentido?

Essa questão também é antiga. Lembro de um congresso, bem no inicio dos anos 90, onde um psiquiatra italiano chamado Michele Novellino, para o qual acabei traduzindo as palestras, pois os organizadores devem ter achado que, em sendo o mesmo no RS, onde todo mundo que não é descendente de alemão, é descendente de italiano, não havia necessidade de tradutor. Numa de suas palestras, o ponto levantado foi a observação dele de que mulheres que tinham a tendência a ter relacionamentos amorosos com indivíduos realmente complicados, tipo dependentes, jogadores compulsivos, criminosos, realmente saiam de namorar/casar com supracitados indivíduos, mas também perdiam todo o gosto por outros relacionamentos ou pela vida no geral. Era mais ou menos assim como quando tirado o tumor, ficava um buraco no lugar do mesmo que nunca mais era preenchido. Entendi perfeitamente o conceito, por relacioná-lo ao meu uso de aparelho dentário. Usei o raio do aparelho dos 15 aos 20 anos. Meu sonho era o dia em que o tirasse, o sorrir, o poder enfiar os dentes numa maçã sem ficar presa na mesma, o poder até não escovar os dentes logo depois que pusesse qualquer coisa na boca, enfim tudo seria maravilhoso. E o dia chegou e, para meu desespero, não só não foi tão fantástico quanto imaginei, como além de tudo sentia que faltava algo na minha boca, tive que reaprender a mastigar normalmente e doeu! Gente como doeu!

E creio que esse é realmente o ponto da psicologia positiva: aquele no qual o aparelho (doença, distúrbio, problema) foi retirado, e temos que aprender novas técnicas de vida, que nos permitam, não só estar totalmente integrados na mesma, mas nos dão a possibilidade de fazer as modificações necessárias para que possamos também alterar, melhorar o mundo no qual vivemos.

Utopia? Talvez, mas é uma que faço questão de viver.

Eric Berne

Michele Novellino

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